Sempre gostei muito de ler. Tanto livros técnicos quanto literatura em geral.
Uma coisa muito interessante que percebo é que, por causa de minha atuação em gerenciamento de projetos, acabei por configurar uma espécie de “filtro mental” que me permite enxergar belíssimos “cases” de GP nos mais variados contextos.
Um dos autores que me inspira muitos destes “cases” é o inglês Bernard Cornwell [1]
Para abordar o tema “gestão de mudanças” vamos analisar o livro “Stonehenge”. Nele Cornwell elabora a trama em torno da construção do círculo de pedras mais famoso da Inglaterra (condado de Wiltshire).
Transcrevo um trecho da “orelha” do livro, para ilustrar melhor o tema:
Camaban, o aleijado pária da tribo, torna-se um grande visionário e temido feiticeiro, que irá forçar o irmão mais novo, Saban, a embarcar em uma arriscada jornada para construir o templo na colina verdejante. Saban é um homem de paz, e com suas habilidades erguerá o enorme monumento...
Podemos então identificar Camaban, o feiticeiro, como principal cliente desta empreitada, bem como Saban como o gerente do projeto.
Cornwell registra magistralmente em sua narrativa diversos dos dramas sofridos ao longo da execução do projeto: pressa do cliente, mudanças no escopo, gestão de pessoas, problemas com fornecedores, e sempre vemos o hábil Saban lidando com estes problemas para finalizar o projeto, alguns destes problemas são ilustrados no trecho abaixo:
(...) Camaban continuava irritado.
- Por que demora tanto? – perguntava constantemente.
- Porque a pedra é dura – respondia Saban constantemente.
- Chicoteie os escravos! – exigia Camaban.
- E vai demorar o dobro do tempo – ameaçava Saban, e então Camaban ficava com raiva e jurava que Saban era seu inimigo.
Quando metade dos pilares do círculo do céu estava no lugar, Camaban exigiu um novo refinamento.
- O círculo do céu vai ficar nivelado, não vai? – perguntou a Saban.
- Nivelado?
- Plano – disse Camaban com raiva, fazendo um gesto de alisamento com a mão. – Liso como a superfície de um lago.
Saban franziu a testa.
- O templo é inclinado – disse ele, apontando para a suave queda no terreno - , de modo que, se os pilares do círculo do céu são todos do mesmo tamanho, o círculo de pedras vai seguir a encosta.
- O círculo deve ser plano! Insistiu Camaban. – Deve ser plano!
(...) Saban... prometeu fazer o círculo do céu plano, mesmo sabendo que isso tomaria mais tempo ainda.[2]
Para não fazer maiores revelações sobre o enredo [3], vamos relembrar o processo de gestão de mudanças:
O PMBok (2008:424) define controle de mudanças como a “identificação, documentação, aprovação ou rejeição e controle feitas nas linhas de base do projeto”. “Realizar o controle integrado de mudanças” é um processo que está contemplado na área de conhecimento “Gerenciamento da integração do projeto”. Segundo o PMBoK (2008:71):
No contexto de gerenciamento de projetos, integração inclui características de unificação, consolidação, articulação e ações integradoras que são essenciais para o término do projeto, para gerenciar com sucesso as expectativas das partes interessadas e atender aos requisitos.
Todo projeto está sujeito a mudanças. Cabe ao gerente do projeto analisar os impactos da solicitação da mudança nas restrições do projeto - normalmente chamada de tríplice restrição: Escopo, prazo e custos, que refletem na qualidade do mesmo. É o que Saban faz inicialmente ao ser confrontado com o problema de gestão de pessoas, e posteriormente, ao receber a solicitação de mudança, para fazer todas as pedras niveladas.
No contexto de gestão de projetos é importante salientar que mudanças podem ser solicitadas por qualquer parte interessada envolvida no projeto, e mesmo podendo ser iniciadas verbalmente, devem ser registradas formalmente, de forma escrita e submetidas ao processo de gestão de mudanças, para avaliação dos impactos da mudança nos objetivos do projeto para aprovação ou rejeição. (PMBoK 2008:94).
Uma vez que a solicitação de mudança seja aprovada, pode ser necessário rever ou revisitar as estimativas de custos, prazos, documentação do projeto, análise de riscos, escopo, etc. Além disso, se o projeto estiver sendo fornecido por meio de um contrato, deve-se celebrar com o cliente um “Termo Aditivo ao contrato”, para formalizar a mudança e garantir sua correta remuneração.
Notas
[1] para conhecer mais do trabalho deste autor, recomendo a trilogia “As Crônicas de Artur” (O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur), a trilogia “A Busca do Graal” (O Arqueiro, O Andarilho e O Herege) e a Série “As Crônicas Saxônicas” (O Último Reino, O Cavaleiro da Morte, Os Senhores do Norte, A Canção da Espada e Terra em Chamas), cada um deles riquíssimo em bons exemplos que podem ser apropriados para a compreensão do mundo corporativo.
[2] Cornwell, Bernard. Stonehenge. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000, p. 453.
[3] prefiro não roubar do leitor o prazer de desbravar o texto original.
[4] PMBoK. Um guia do conhecimento em Gerenciamento de Projetos. 4ª Edição. Pennsylvania/USA: PMI - Project Management Institute, Inc. 2008.